quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

pessoas comuns

Há dias em que ainda aqui não cheguei e já o texto escrito. Começa a escrever-se a qualquer hora, nas mais insólitas circunstâncias, como se animado duma vontade própria. Tantas vezes as palavras a escorrer e eu sem as conseguir estancar. Um café Senhor António. Cheio. Sempre de trombas o Senhor António. Discute com as empregadas sem se sentir inibido com a presença dos clientes. Já as tenho visto até chorar. Disfarçadamente. Como acontece nos textos, em que o choro das palavras é condição prévia para o sucesso do escrito. Uma vez reparei numa, na cozinha, as lágrimas a cair e ela sem as conseguir conter. Naquele dia até a sopa me pareceu mais salgada. De que é a sopa Senhor António? Creme de legumes, responde. Sempre de trombas o Senhor António. Hoje, vinha pelo caminho, o sol de frente a incomodar-me os contornos da estrada, e sentia o texto a escrever-se. Espesso como creme de legumes. Talvez menos salgado. A cozinheira hoje não chorou. Arranja-me gelo Senhor António, que o creme escalda.  E ele, solícito, serviu-me logo três cubos, num pires. Tenho a certeza que o faz (o gelo) com o ódio que lhe escorre sem se esgotar. Como este texto, a formar-se sozinho, sem mim e sem cessar.    

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