sábado, 12 de abril de 2014

a infinita doçura das palavras

Há momentos em que o divino (ou alguém por ele) se dispõe a entornar sobre nós uma estranha generosidade de imprevistas memórias.  Este aconteceu na passada semana.

Pedira-se ao petiz – prestes a comemorar o seu 5º aniversário – que ajudasse a fazer a lista dos convidados para o evento.

- Afinal, quem é que queres tu convidar para a tua festa de anos?

Então, voluntarioso e participativo, o garoto lá tratou de relacionar um a um os elementos da família, e afins, que ele gostaria de ver presentes no dito acontecimento.

O pior foi que, incluído na sua recitada lista, logo após a meia dúzia de nomes mais óbvios (pais e avós), e quando ainda faltavam mencionar alguns daqueles que são presença obrigatória (tios, primos, amigos íntimos), o ouvimos pronunciar, na infinita doçura das suas palavras - O BIVÔ (O ‘Pá’, como ele lhe chamava).

Ora, não haveria aqui aparente contrariedade não fosse a singular e inopinada circunstância do ilustre relacionado, o bisavô, ter falecido há pouco menos de 8 meses. O que nos deixou a todos visivelmente embaraçados já que trazíamos em nós a firme  convicção de que a criança não mais se lembraria dele, depois de, numas quantas abordagens que então nos pareceram suficientemente explicadas e assimiladas (ocasiões festivas do Natal, do fim do ano e outros eventos já decorridos), se ter introduzido ao rapaz a finitude da morte.


Afinal, raio de chatice, não somos só nós, adultos (eternas vítimas dessa limitação), que olhamos a morte como uma tristeza passageira que nos carrega de nuvens escuras o prazer de viver, mas que há-de passar, um dia. Ao que parece, também para os inocentes príncipes, à beirinha dos 5 anos, o falecer é um estado passageiro capaz de ceder ao alívio que precede todos os contratempos. Capaz até de trazer de volta os defuntos, a tempo da festa do seu aniversário. 

Reeditado depois de publicado por Eme Pê em o bosão do joão a 7/24/2013 10:54:00 PM

Sem comentários: