domingo, 20 de abril de 2014

o corcunda da Evax

Ontem dormiram cá os petizes. O infante mais velho, comigo. O bébézão, com a  avó, no ex-quarto da mãe, agora convertido em quarto dos netos. Antes de adormecer, por entre as distraídas imagens do Corcunda de Notre Dame que passava na TV e que ele já via pela enésima vez, fomos trocando impressões sobre algumas das cenas. Só as que lhe faziam mais confusão, digamos assim. Sim, porque isto de ver as estátuas a falar causa dúvidas em qualquer cabeça de 5 anos. Já viste avô, que as estátuas falam com ele?, foi a pergunta que despoletou o nosso diálogo. O desgraçado do miúdo arranja-me sempre com cada imbróglio para as noites de Páscoa. Bom, lá me muni dos meus melhores brios (nem imaginam os piores) e bem ou mal dispus-me a explicar-lhe o que estava a ver. Isto, claro, em linguagem que ele pudesse digerir, sem necessidade de guia-intérprete e evitando os yas, os bués e os fixes do seu habitual dialecto. E assim   foi a coisa. Consegui passar-lhe a minha história, sobre os efeitos  da cinematografia e os buracos negros das ilusões que ela nos provoca, sem lhe destruir a capacidade de encantamento que qualquer puto deve conservar enquanto não descobrir que a fantasia é uma coisa sem pingo de capacidade emocional quando é vista assim, pelo lado da costura e dos pospontos. No entanto, apesar das duas ou três vezes em que me franziu a testa e me olhou meio de esguelha, achei-o bem mais convencido do que quando na semana anterior, durante as compras do Jumbo, apontando para a prateleira dos pensos higiénicos da Evax, me informou: olha avô, às vezes a minha mãe põe coisos destes dentro das cuecas, disse ele, fazendo um gesto a imitar a descrição. E eu, que curto bué estas saídas dos putos, capazes de me deixarem a imaginação quatro dias a sangrar, só tive discernimento para lhe fazer derivar a atenção e perguntar: sabes a que horas joga o Benfica amanhã? E ele, que não sabia (é claro), lá tratou de me aquietar: não, mas o meu pai sabe de certeza. E lá se concentrou de novo na playstation, indiferente aos gritos e às unhadas com que eu me autoflagelava enquanto  amaldiçoei a minha falta de preparação para ser avô.     

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