Não é a prenda é o gesto. Também
não é o conteúdo é a forma. Nem sequer é o valor é o propósito. No final impedem-me o agradecimento e
dizem que o fizeram por prazer. Por puro deleite. Essas são as que aceito.
As outras faço delas donativos para a caridade e deixo-os acreditar que as
levarei em conta. Há muitas (a maioria, creio mesmo) cujo preço deste engano é superior ao que valiam.
segunda-feira, 30 de dezembro de 2013
sábado, 28 de dezembro de 2013
desgosto e alívio
Deixei
por aí perdida, talvez presa num qualquer ponto da minha memória, a recordação
do tempo em que trabalhava com prazer. Em que extraía desse prazer uma vasta
gama de outros agrados. Quase arriscaria dizer que não me recordo de alguma vez
ter ido trabalhar com outra disposição
que não fosse de satisfação (estúpida satisfação, eu sei!). Daquelas próprias
de quem faz o que gosta gostando do que faz. Porém, volvidos quase 40 anos
desta prática, deparo-me agora com uma nova sensação. A que resulta dos meus
dois últimos anos de actividade profissional, prestes a vencerem-se. Foram eles
que me trouxeram até este estado de espírito (ou de inutilidade) em que ora me
encontro, padecendo a cada minuto que ali passo (no local de trabalho) sem que o
alívio do fim alguma vez chegue. Dois
anos vividos sob a égide do pior por acontecer. Em que os segundos
ganharam a lentidão de horas e os dias o
efeito do tormento por transpor. E, sobretudo,
em que o amanhã se torna, já de véspera, bem pior do que imaginar se
possa. É por isso que hoje, já dou
comigo a sonhar muito mais com o regresso a casa do que com a partida, de manhã.
É também por isso que se tornou enorme o anseio pela libertação deste pesadelo
e de todo aquele passado que a indignidade esgotou e que cada vez mais se
reflecte na má qualidade do serviço prestado.
terça-feira, 24 de dezembro de 2013
melhores desejos
Bom, nesta
data, com os melhores anseios para todos, só posso esperar que as tensões
acalmem, a violência pare, as tempestades amainem e o governo mude. Claro que,
dadas as alternativas que se perfilam, a realizarem-se os meus desejos no que
toca ao alterne do governo, a viabilidade de irmos para melhor é tão
improvável como conseguir que o Cristo
Rei boceje. Vai daí, desejo a todos uma quadra sem surpresas piores que as que
já cá estão.
sábado, 21 de dezembro de 2013
ornamentos de vulgaridade
Tenho pelas vulgaridades que o Natal permite um afeição
de avó. Ditosamente a mãe virtual deu à luz há uns anos aquele entreposto
hospitaleiro de todas elas que dá pelo nome de facebook. Estão lá todas. Não
ficou uma de fora. Frases feitas, lengalengas, plágios sem imaginação,
trivialidades (todas as possíveis), cretinices, despropósitos, ladainhas e calinadas,
há de tudo. Felizmente concentra-se ali todo um inesgotável catálogo de mau
gosto natalício, como não conheço pior. Dito isto, com tal concentração de piorio,
dispensada fica pois a exigência no restante espaço cibernético.
sexta-feira, 20 de dezembro de 2013
a inteligência vista de longe
Numa cruzada de birra antinatalícia reparo que
alguns conhecidos meus se incomodam mais com o Natal dos outros do que com o
deles, que dizem não festejar. Depois, para dar mais ênfase ao repúdio escrevem
inflamadas frases de vazio nos seus facebooks, cheias de expressões
grandiloquentes anti solidariedade cristã e fraternidade. Claro que, a maioria
daquela exuberância vocabular só lhes faz sentido como forma de saída da
apagada irrelevância a que se sabem condenados. Não fora isso e os incapazes pouco se apoquentariam
com a fé alheia. A questão é que, assistindo
a este rito fico sem saber se a coisa é apenas símbolo de insuficiência moral
ou se é ainda mais freudiana.
domingo, 15 de dezembro de 2013
o inevitável PLANO B
Há uns tempos que ando a amadurecer a ideia
de regenerar o valor de certas coisas. Coisas que já o tiveram antes, mas que,
contudo, deixaram de o ter, abandonadas num qualquer desvão da vida, como acontece
com os sonhos sem detalhes. Coisas de
nada. Mínimas. A que, aos poucos, nos
voltamos a encostar empurrados pela necessidade de ‘fazer pela vida’, ou determinados
a enfrentar o futuro sem ser através de amanhãs risonhos que nunca mais cá
chegam. Trata-se afinal de voltarmos a aceitar que o efeito de nos satisfazermos com pouco só tem vantagens. Quem nos educou
dizendo o contrário, que a ambição, mesmo desmesurada, tinha uma auto-estrada de acesso directo ao
ego, à estima e à satisfação das aspirações estava redondamente enganado. Tem
apenas um carreiro, que serpenteia cheio de afluentes e de desvios por entre o
egoísmo, a cegueira, a cobiça e a ganância. E é nesta última que desagua, como
numa praça, o excesso de tudo (e de tanto) querer. Sem darmos por ela somos atacados (qual
fungo) por aquele instinto primário da cobiça que só funciona até que se
consiga o que ansiamos. Depois, a coisa perde a graça e partimos para outra. E
assim perdemos a capacidade de nos satisfazermos com o relógio de corda, com um
caderno e um lápis, com os vidros de abrir manuais, com a falta de elevadores.
De todos os elevadores. E são imensos eles.
Esquecemos o gozo do pôr do sol ao vivo, o consolo do livro lido com
tempo, sem pressas, na esplanada junto ao mar, o agrado de uma conversa sem
rumo, o prazer de podar a árvore e de
lhe aconchegar o estrume em volta do caule, na esperança de que para o ano as
nozes sejam ainda melhores. Na net, no
hipermercado, encontramos o mesmo e mais depressa. Não queremos mas, cá dentro,
intimamente, sem darmos por ela, já todos achamos que é esse o único caminho. O
dos açúcares rápidos, refinados pela pressa de viver. Uns chama-lhe progresso,
outros evolução. Há os que o tratam como um percurso natural. Sem custos. O pior é se um dia (tudo
faz crer que vem já a caminho) voltamos
a necessitar das tais preciosas e
delicadas coisas mínimas. Oxalá não seja tarde para as reaprendermos. É na
violência e no inesperado com que esse dia nos atingirá que está o inevitável e
a urgência de irmos todos (todos nós) burilando e introduzindo um PLANO B. Uma escolha consciente opcional. Não vá isto,
como se começa a prever (palavras ditas em surdina), um dia acabar mal.
sexta-feira, 13 de dezembro de 2013
a prenda
Todos os
anos, por esta altura (e por outras também, mas isso agora pouco interessa),
ele me leva o seu abraço de Natal. Já assim o faz há mais de 30 anos. Não me
lembro de alguma vez ter falhado. Manhã cedo já ele espera por mim, emboscado no frio dum qualquer dia de Dezembro. Quando o vejo assim, à minha
espera, mostro-lhe sempre o meu desconforto. Primeiro por sabê-lo já
suficientemente idoso para que não lhe custe o esforço da deslocação. Depois, para
sossegar a consciência (passe a deselegância e a ingratidão) já que me
agradaria mais sabê-lo aquela hora no quente da cama do que a respirar o frio
inumano que se faz sentir. Porém, ele não desiste, e a frase com que me aquieta
o ralhete que lhe dou nunca muda: este ano ainda cá consegui vir, para o ano
logo se vê… Repete-a assim há décadas, invariavelmente. Depois, ficamos por ali na conversa, sem tempo, deixando espraiar o que temos para dizer. Por
fim, a custo, lá se despede e parte. Fico à porta, a vê-lo ir, a deixar para
trás um eco de amizade que nada apaga. São feitas de gestos destes, pausados,
meigos, sentidos, as melhores prendas do meu natal. Para o ano logo se vê…
terça-feira, 10 de dezembro de 2013
a estratégia do funil
O problema dos funis, quase todos, é que estreitam. Não
fora isso e certamente ninguém repararia ser também com base nessa estratégia que ela espera encontrar saída para a conquistada (com determinação, diga-se) miséria humana a
que ascendeu há muito. Onde quer que seja ei-la de braços abertos, disposta a
acolhê-los (a todos) afunilando-os para o seu último reduto de conseguimento.
Falhando este já nada mais lhe resta. Dá uma certa pena, é triste, e deprimente
também, mas é esta a trágica realidade. Um espectáculo que apela à piedade
este, de ver alguém disposto a tudo (seja isso o que for) o que lhe permita aliviar
o amargo da solidão e da necessidade. E,
mesmo sabendo que deus dá o frio conforme a roupa, não há Natal que resista a
semelhante desnudamento.
sábado, 7 de dezembro de 2013
festa de natal
Não me perguntem se gostei
que não darei resposta, e presumo que mentir seja desnecessário. Há coisas que devendo
apenas acolher-se na sua ordem, vá lá saber-se porquê
– insondáveis que são os caminhos da fatalidade, não escapam a uma
condenada desordem. Outras há, contudo, que começando por ter todos os condimentos
para poderem correr mal debatem-se com a crua inevitabilidade de correrem ainda
pior. Porquê? É indiferente, quando após
muito buscar não se encontra nada (nem substância) a que possamos dirigir um agrado.
Em boa verdade quando tudo é mau de pouco nos serve saber o que é o pior. Em
especial se o pior (o pior mesmo) é que até uma simples festa de natal deriva
daquilo que somos.
terça-feira, 3 de dezembro de 2013
taco de pia
Temos cá em casa uma pia baptismal. Coisa
sóbria de exibir, que por isso mesmo não merece mais que o recato do canto
sombrio onde se acolhe. Raramente – e sublinho que é muito raramente mesmo - a
usamos. Meia dúzia de vezes, sei lá! Talvez nem tantas. Foi usada quase sempre
naqueles solenes momentos em que a corte reuniu para abençoar um/a qualquer
feliz carecido de ser cognominado. Ora, é aí, a esse acto há tanto não praticado
(sinal de que temos andado afastados do aviário, das aves e das aventesmas) que
fui hoje buscar o último título concedido a sua alteza real, o sapo príncipe.
Naquela noite, reunido o conselho consultivo dos títulos, denominações, rótulos
e outros letreiros. Sentados em volta da imagem e das interacções do frívolo e
barrigudo ser, foi o mesmo principescamente coroado pela régia denominação de
Taco de Pia. Daquele acto, que tantas e tão hilariantes saudades nos deixou,
foi lavrado termo, assento e pública forma. É assim, verdade seja dita, que
sendo tão raras tais solenidades são também cirurgicamente apontadas, fazendo
jus ao que nos diverte cumpri-las.
domingo, 1 de dezembro de 2013
o perigo (essa ameaça em vias de extinção)
Num
recato de espavento a vistosa viatura estaciona mesmo na frente da casa da
senhora. Do seu interior saem os dois agentes. Musculados. Afoitos.
Indiscretos. Trajam ambos fatos completos, nada casuais, a que falta a sobriedade
e o comedimento que não possuem e que deles se esperaria. Olhos postos na porta
da residência aguardam que o mais pequeno movimento lhes dê sinal de
actuação. Enquanto isso, um deles,
hesitante quanto á forma de se mostrar elegante puxa as descaídas calças e
tenta (sem sucesso) encolher a barriga.
Ouve-se então o clique metálico da porta a abrir. Eis que a senhora se
dispõe a sair. Já à sua espera, a postos, com asas de mãe galinha, os dois
valentes amparos abriram as portas do veículo permitindo-lhe acesso. Ela, por
sua vez, lançando-lhes um esgar misto de altivez e desdém, entrega a mala a um
deles e ocupa o banco traseiro num acomodar desleixado. E, ei-los que já partem todos num fulgor de
velocidade e despropósito que soa mais a exibição (muito mais) do que a zelosa
protecção.
Mais tarde, bem mais tarde, o fim do dia a aproximar-se da noite,
ei-los de volta. A falta de discrição da manhã ainda a acompanhá-los, agora
talvez mais inchada e generosa. Carro estacionado. Os quatro piscas ligado. Os
seguranças primeiro, a magistrada de seguida. Portas que abrem e fecham. A mala
outra vez. Um até amanhã indiferente e seco, trocado sem vestígios de simpatia. E eis
que já se fazem à estrada. Cem metros apenas, como de costume, para depois,
indiferentes à surpresa dos passantes, pararem e fazerem a mesma inversão de
marcha de todos os dias. Agora, lentamente, nova passagem pela frente da casa, olhos postos na
porta fechada. Rotinas de fotocópia. Precauções fingidas (ou escusadas, sei
lá eu!). Tivessem os dois guarda-costas
atrasado a sua passagem uns segundos mais e teriam tido ensejo de assistir à
saída da senhora juíza. Desta vez envergando um fato de treino, alheia ao perigo,
que não à oportunidade de se exibir. Estrada fora, em passada de jogging,
certificando-se, pelo canto do olho, que os vizinhos reparam nela. Ainda bem
que são dispensáveis os seguranças, depois das 17 horas. Afinal o perigo é uma ameaça
que espreita com horário de funcionário público.
sábado, 30 de novembro de 2013
o que faço aqui?
Sento-me, ligo a TV a fazer zapping como um
explorador à cata de diamantes e o que vejo? Um pedófilo a dar uma conferência
de imprensa vestido duma pele em que se sente credível - de vítima. Dar tempo
de antena a esta gente é uma cena que ofende o meu martírio de telespectador. O
que se responde a isto? Silêncio, claro. Não suporto este nojo. Gente de olhar
vazio a negar uma realidade à vista de todos. Fazem-me lembrar cães vadios,
cheios de feridas no lombo, asquerosos, procurando os sobejos do lixo no
caixote da dignidade.
sexta-feira, 29 de novembro de 2013
o desnível
Qual farol no meio da escuridão diz assim o
insensato rapazola como lema do seu facebook – Se chegasses ao meu nível morrias de
vertigens. E até eu, que só mesmo acidentalmente ali podia ter ido parar (bem
se vê), e que por estar anos luz abaixo do seu nível jamais haveria de ser o
destinatário das suas cuspidas palavras, achei que, se alguma mais que
improvável vez chegasse ao seu nível, entrando pela porta que o idiota usou,
também morria certamente, mas não era de vertigens. Era de vergonha, por fazer
comentários destes.
Assim se conclui que o garoto, sendo dos
que não aprendem com a vida, esconde nesta pose de cagão a altanaria tão
imprópria para quem se diz dado à piedade católica. É que, tenho ideia, não
rezam os sagrados textos que o ponto de referência para medir o nível seja o saldo
da conta bancária.
Por isso, pegar na sua frase e ampliá-la
com o relevo que lhe deu, mais do que a conquista do fátuo e ostentação que
certamente desejaria, mostra (e muito) como sofre de défice de humildade.
Mas, adiante, que dê isto as voltas que der
não consigo gostar nem um bocadinho do piar dos pavões.
quarta-feira, 27 de novembro de 2013
cemitério de hesitações
Quando vou ao cemitério não há
vez nenhuma que não me pergunte se o
gajo (a ela a dúvida não se aplica) aprovaria aquelas incursões. Chego lá, certifico-me se as lápides
estão de pé. Se a areia não esbeiçou. Faço por ali uns segundos de
retardamento até que lhes oiça as vozes.
Ora a um, ora a outro. Atento no que me dizem (embora nunca lhes responda) e depois venho. No caminho trago sempre comigo
a sensação de que podia ter feito tudo aquilo sem ter lá ido. À distância. Enfim, fica por conta do prazer que extraio do
aroma das flores de plástico.
terça-feira, 26 de novembro de 2013
vem aí o Natal
Cá em casa, este ano, estamos em
modo de antecipação. Beneficiando da inestimável ajuda (cof… cof… entrou fumo
da lareira) do neto mais velho, já fizemos a árvore de Natal e já colocámos todos
os adereços correlativos. Agora, para
não perder a mão e aproveitando esta precoce disposição natalícia vou já
amassar as filhoses e pregar uma valente ‘buba’ no peru. Não há como uma pessoa antecipar-se ao
futuro para amenizar os efeitos do apocalipse.
segunda-feira, 25 de novembro de 2013
decisões de risco
Novembro é sempre isto. Uma chuvinha melancólica, um frio que nem o lume aquece, a espera que o vento sem rumo me traga o que mais anseio. Depois, como não chegue, recebo a contrapartida duns dias de quase Verão, impregnados de aromas do campo e de experiências por fruir.
Já fiz as malas, vou-me a eles daqui a
bocado. Contudo, lá chegado não sei que faça primeiro. Talvez corra a ver as
árvores novas. As que plantei há três semanas. Ou, talvez fique só pelo
terraço, a ver o sol subir a escarpa da serra, até ao seu dorso mais
alto, atrás do qual se põe. Bom, isto se não me der antes para ficar por ali,
quieto, a ler, na cama de rede por baixo da nogueira. Sempre cheia de decisões
de risco estas minhas viagens outonais.
sexta-feira, 22 de novembro de 2013
dedicatória inaugural
(Aos meus netos, à mãe deles e à mãe dela.)
Espero que consigam repartir entre os quatro o limitado valor desta dedicatória.
E assim sendo vamos lá a mais uma aventura pela infecunda descoberta
da minha assumida insensatez.
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