segunda-feira, 31 de março de 2014

escrever no vazio

Coisa estranha esta, percorro frequentemente umas quantas dezenas de sítios da blogosfera onde me delicio a ler o que por lá se redige. Muitos deles (uns mais que outros) escrevem de forma tão escorreita e com tamanha qualidade que raramente consigo lê-los até ao fim sem que me pergunte por que raio semelhantes talentos, quantos deles há tanto consolidados no meio, livros editados, colaborações emprestadas (quando não vendidas), por que raio, insisto, não passa esta gente da apagada mediocridade que os não afasta daquele espaço entre a tolerância e a indiferença? Fosse em mim e não destoaria tal resultado. Agora nestas vedetas de bairro, muito me surpreende.

domingo, 30 de março de 2014

restos de heranças

Vivo por ele a grandeza dos dias que me deixou. Nas letras, da sua mão saídas há mais de 100 anos, procuro vestígios do neto que haveria um dia de as reescrever. A escrita não lhe era fácil. Os calos das mãos a tolher o traço que delas fluía sem rigor. Um ‘a’ escorreito aqui, para logo outro, tortíssimo, mais à frente, e outro ainda, tão ou mais diferente dos que o antecederam. Talvez, quem sabe, as dores a permitirem que a caligrafia dissesse o que as palavras calavam. No entanto, eu cá continuo. A ver se consigo impor uma nova direcção a estas. Às minhas. Ao mesmo tempo que manejo as folhas com medo de que não perdurem até eles, de que não suportem outros tantos anos até que as leiam também, numa noite assim, de longa espera. Bem antes que o mundo se dê conta dos olhos do avô (eu), lá onde possa vir a estar, a pedir que lhe perdoem a nostalgia (esta) que lhe pedi emprestada (a ele) para iludir a esperança de que não se perceba a fraqueza que me ataca.

sexta-feira, 28 de março de 2014

tudo é ilusão

A importância que tens é coisa que não será fácil de aferires se alguma vez te deixares levar pela ilusão de que o teu lugar vago não será de imediato ocupado por outro.

Ninguém faz a falta que julga fazer, onde quer que seja. E o melhor, o melhor mesmo, é que aprendas depressa a lidar com isso, bem antes que seja a vida a ter de o mostrar da forma mais inesperada que possas imaginar.

A importância que tens, o que vales verdadeiramente, deixará de ter peso quando perceberes que outro qualquer fará o mesmo que tu. Não importa se mal ou bem. O que interessa, àqueles que serves, é que alguém o continue a fazer.

Assim, por muito que seduza a ilusão de que todos vão gostar de nós ou sentir-nos a falta. Nada compensará todo o esforço que façamos para que nos aceitem como julgamos que somos, ou que nos achem diferentes.

Valor mesmo, importância verdadeira, só tens para aqueles que te amem. Falo de amor de verdade. Não de serviços mínimos ou teias de interesses.

Daí que, quanto mais depressa souberes moldar o teu profissionalismo a essa realidade, mais feliz virás a ser, maior a paz  que alcançarás e, acredita, mais inexplicável te virá a parecer o contentamento que te espera.

Foi assim comigo, como já antes havia sido com imensos outros que acompanhei em iguais experiências. Será assim com todos, no fundo. Mesmo com os que achem ser diferentes.


Nada ilude tanto como a ideia de que a tua partida possa mudar o essencial. Principalmente se o essencial é que alguém ocupe o teu lugar vazio e faça (ou não) o que tu fazias.

O resto é a indiferença em que todos nós apodrecemos num meio onde não existem pessoas, apenas funções.    

terça-feira, 25 de março de 2014

inteligência bovina ou estupidez indolor? [sic]

Quando escrevo isto pouco tempo passou desde que um assaltante de um banco em Cascais, interceptado pela polícia em pleno delito, tentando a fuga, armado, manietando uma mulher como refém , foi atingido pelos agentes que o perseguiam, depois de repetidas vezes lhe recomendarem que largasse a arma [sic].
    
Subitamente, interrompendo o agente que fazia para a comunicação social o relato dos acontecimentos, ouvi o repórter [sic] perguntar-lhe se sabia dizer quem tinha disparado primeiro, a polícia ou o criminoso? [sic]

Ouvi e não acreditei [sic].

E assim, sem precisar de mais do que aquilo que a bestialidade acabava de dizer, só restaria perguntar: sabe-me dizer se o disparo efectuado pela polícia doeu ao perfurar o corpo do assaltante?  Ou, precisando ainda mais, em matéria de rigor jornalístico: acha que a polícia consegue determinar o cretino que eu sou quando faço perguntas destas? [sic]

A infeliz verdade é que este caso traduz fielmente a triste realidade em que se encontra o nosso jornalismo televisivo [sic]. 

sábado, 22 de março de 2014

siga a roda

No frágil preparo com que venço os oito dias que me separam da forma que melhor  encontrei para dizer o que as palavras calaram durante quase 40 anos, só me ocorre a legenda de um comentário. Por sinal de uma banalidade tocante, diga-se. Mas, como não tenho intenção de concorrer com as chamas do inferno, lá vai ele: por esse preço façam-no vocês. (E passem bem.) 

segunda-feira, 10 de março de 2014

uma chatice com esperança

Que coisa, ando a atravessar uma fase em que começo a ver um filme, por mais interessante que seja, e adormeço quase instantaneamente. Então quando se trata de longas metragens medievais alemãs, nunca falha.  Eu, imaginem só, que ainda a semana passada só conseguia dormir sob o efeito de um sedativo, quatro benzodiazepinas, um anti-histamínico e um anticonvulsivo. 

Bom, a minha sorte (e esperança) é que a vida nunca me foi pesada durante mais tempo do que aquele que as minhas fracas forças podem suportar. Daí que, ou os sonos entram nos eixos ou tenho de mudar de vida (ou de balança, sei lá!). 

sábado, 8 de março de 2014

miró


(Chamei-lhe Miró mas podia chamar-lhe Teco. É-lhe indiferente.)

O pobre felino cedo foi sujeito a castigo, por acção duma dieta (rigorosíssima) a que a medicina o destinou, mercê de diagnosticados  problemas renais  aos quais ficou amordaçado pela boca, impedido daquelas iguarias a que qualquer gato que se preze chamaria um figo.  Comida de saco XPTO (vulgo ração) e só dessa. Água com fartura e beiços lambidos, se lhe sobrasse vontade. Era tudo o que o seu cardápio permitia.  
  
Há quase 5 anos, na sequência de uns exames que fez, foi-lhe afinado o diagnóstico com o fatal agravamento dos ditos problemas renais, sem solução médica possível, disseram-nos.

Foi então devolvido aos donos (um casal de idosos), para que dele se pudessem despedir, apenas um dia ou dois, não mais que isso, rezava o relatório de esperança que lhe sentenciava a vida por pouco menos de uma semana.

Seguiram-se então dias (e dias) de uma liberdade recompensadora, a que nunca antes tivera acesso. Passou a comer de tudo (tudo o que lhe agradasse, claro) e, decisão dos seus amos, acabaria os seus dias com eles, recebendo mimos e carinhos até que a anunciada morte o levasse. Ou seja, a tal entrega no estabelecimento de saúde, para abate, estaria fora de questão.

E assim vive até hoje. Cinco anos já passados, acrescentados aos dois dias do prognóstico inicial que o condenava.  Há pouco mais de um ano veio cá parar a casa, por morte dos donos, e aqui manteve os mesmos 'maus' hábitos que a prematura sentença de morte lhe concedera. Ração sempre disponível, introduzidas todas as iguarias que o apetite lhe peça, liberdade de acção dilatada. E, é evidente, voltar ao médico - FORA DE QUESTÃO!   

Tem sido assim, sem que isso nos parecesse possível, que a sua vida se tornou mais um forte abalo no rigor da ciência e na fé médica. Mais que isso, instalou entre ambos (rigor e fé de um lado, e a realidade do outro) um obstáculo de descrença que vamos levar anos a digerir.

Quanto ao bichano, trago-o debaixo de olho, noite e dia. É que, depois de condenado, há 5 anos atrás, a não sobreviver mais de dois ou três dias, já enterrou dois donos e, temo (temo muito, até) que se disponha a fazer o mesmo com os actuais. A menos que negociemos com ele alguma das 7 vidas que parecem ainda sobrar-lhe. 

sexta-feira, 7 de março de 2014

os meus pares

É possível que sob o filtro do disfarce não se dê disso conta mas, senti-lo é já peso que baste. Dia após dia esgota-se-me o saldo da paciência com que carreguei, até aqui, o maior flagelo do meu penoso dever de ofício. O de suportar seres humanos azedos e de mal com a vida (até me custa chamar-lhes pares) que continuo a ver agredir, destratar, hostilizar todos aqueles a quem devem respeito e a dignidade da consideração.  E é sobretudo nestes momentos que penso que ainda hoje não sei se foi justa a minha indiferença para com estas desprezíveis espécies, ou se alguma vez sentirei paz por nunca ter sido aplicado castigo adequado a tais faltas e a semelhante gentio. Uma dúvida adiada ao desejo que alimento - o de ver-me só livre deste mal. No mais apenas anseio que venha a haver alguma justiça para com semelhante injustiça.    

quinta-feira, 6 de março de 2014

a vida a nu

E eu lá. Um como outros, entre eles. Todos monotonamente iguais. Os mesmos erros, os mesmos dramas. Saúde, dinheiro, fantasia, realidade, aborrecimentos, misérias. E é assim, bem antes que o mundo se dê conta, que eu lá, em toda a minha glória e esplendor, a relatar na primeira pessoa toda a imensidade de variantes que cabe entre as ilusões e o calvário dessa longa espera que é a vida. 

sábado, 1 de março de 2014

cada um finge como pode

Coisa estranha esta que tenho vindo a reparar, comum a uns quantos escritores (escritores à séria) que aqui sigo mais de perto, aos quais devoto a atenção diária de vir ler o que redigem, nos ciberespaços a que emprestam a mão. Todos contestam a falta de talento literário que os cerca e se revelam afetados, cagões até, batendo-se por um escrever qualitativo que, obviamente, é só deles. Comportam-se como se a escrita fosse um exclusivo do seu ADN, carecendo amiúde de maldizer a dos outros. Senhores com baixíssimo score de humildade expõem nessa conduta a personalidade fraquita de que são feitos. Mais que isso, obrigam-me, logo a mim, a dizer-lhes o que se percebe, o que se sente e é suposto. A escrita, como o sexo, é um prazer íntimo e pessoal que cada um faz como bem gosta ou sabe. Coisa até capaz de se ir apurando com a prática, como dizem os experts sobre a matéria. São actos a que não se exige ou critica a qualidade que possam não ter. As palavras, quando nascem da legítima vontade de as usarmos ao encontro do prazer que nos dão, não se devem esperar todas elas perfeitos tomos de linguagem, excelentes obras primas saídas das eruditas mãos dos ‘alunos das Sorbonnes’ que por aí há. E, se não falo por mim, a quem me sobra em gosto pelas letras o que me falta em estudos que me permitam dominá-las, digo-o por todos os que escrevem livremente, na net ou noutros suportes, libertando assim um gozo a que não se furtam. Assim, deixo aos tais donos da escrita, que tanto tempo perdem a amofinar-se com os que a não dominam, em vates de grandeza e presunção que só os desfeiam, a recomendação de que se lixem para a canhestra habilidade (sexual ou estilo-literária, tanto faz) dos demais. É que, um lobo nunca deve temer que o confundam com os mascarados que lhe vistam a pele. Nem no Carnaval.