sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

miséria que é um louvar a deus

É inevitável. Cada vez que entro numa livraria acontece-me sempre o mesmo. Céus, tanta gente a escrever e tão pouca com noção da sua competência. Uns não têm qualidade, outros não têm vergonha, no entanto, o que não falta a uns e outros é vaidade.  Enfim, nada a fazer se também nisto há uma certa noção de relatividade humana que a vida tem vindo a encarregar-se de acentuar cada vez mais. Louvado seja. 

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

dói-me que se farta

Da vida e do curso que ela toma não tenho por hábito queixar-me. Tomo-o por dádiva, chegue ele vestido com as suas melhores roupas ou na mais frágil e vazia nudez. No entanto, não nego, uma coisa me tira do sério com a maior das facilidades. Pior até, ou mais ainda, do que as maleitas que directamente me tolhem. Trata-se da saúde (mais do que o bem estar) dos meus netos. Não há, conhecido que seja, nada que mais me aniquile a vontade de acordar, ou de adormecer, do que saber que um deles, em lugar de crescer saudável e robusto, padece de qualquer adoecimento. Torno-me no que de pior a natureza humana é capaz de gerar. Ansioso, intolerante, irascível, impiedoso. Sofro como só eu sei com o mal (seja ele qual for) que acontece às indefesas criaturas. De tal sorte que, pudesse eu chamar a mim todos os seus padecimentos e nem um só lhes ficaria por viver. Nem sequer a mais fria das quentes febres. 

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

sofrendo e andando

Por vezes vem-me, não sei de onde, uma vontade enorme de reparar alguns dos erros que a vida hoje me cobra. Depois, percebendo que são tantos, desisto. Ideia mais parva que havia de ter, fico então a pensar. Se há coisa que não se deva apagar do tempo, nem da memória, os desacertos são uma delas. Nem que tenhamos que satisfazer com juros a ousadia de os ter cometido. É que, bem vistas as coisas, de pouco nos serve o paradoxo dessa ilusão, de que é possível viver sem sofrer. Não só porque não é, diga-se o que se disser. Como ainda porque é para isso que vivemos.  

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

não devolver na mesma medida em que recebes

Há uns dias que é minha triste condição o acto de preparar o fôlego (e não só) para essa longa caminhada que será o legado escrito que gostaria de deixar ao meu neto mais novo. A exemplo do que já fiz com o seu irmão. 
Ora, com aquilo que a coisa implica de esforçado rigor, há ocasiões em que tentar extrair da vida (em bruto, como ela se apresenta) o seu lado bom  pode não ser tarefa fácil. É o caso. Eu bem quero ir por um lado mas ela vai pelo outro. Resta-me o sacrifício, essa forma inquieta de melhor alcançar tudo o que nos foge. Enfim, para já sento-me e aguardo. Que outra atitude seria de esperar?
 

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

públicos e humanos rancores

O desconhecimento ignorante é um mal que se consolida no comportamento insensato que não se esperava por parte de quem vive dependente dos outros e não consegue sequer avaliar a incompetência que todos lhe reconhecem e apontam.


Não há pior cegueira que a de um mau profissional sem consciência da sua mediocridade.     

domingo, 15 de fevereiro de 2015

esmolas

O bairro fino onde viveu já não lhe escondia a miséria. Mudou-se. Nunca fez nada na vida ainda que chame ‘anos de trabalho’ à meia dúzia dos que esbanjou num corrupio de festas, engates de ocasião e outras tertúlias afins. A família foi ficando pelo caminho. Pai, mãe, filha, tios, primos. O marido também. Todos. Uns mortos, outros vivos, dos quais apenas se aproximou enquanto lhe garantiram proveito. Já sem nada ainda tentou misturar com a condição de pedinte as amizades que sobravam. Negociou e tentou pagar, assim, até na horizontal, fazendo de si mercadoria, o acumulado de dívidas que foi fazendo. Porém, o corpo de matrona a que os excessos da vida a condenaram não deu grande ajuda. Nem isso resultou. Deixou então de fumar por não ter já com que pagar o vício. E, tal como antes deixara de beber, deixou também de comer. Deixou até de limpar a casa e lavar a roupa. As esmolas, se as consegue, já mal lhe chegam para o gasóleo e o telemóvel. Esses sim, luxos de que não pode privar-se, que a ligam ao mundo real onde ainda as consegue – as ajudas. Colou-se agora aos que na sociedade conseguem melhor visibilidade e apoios. Usa-os para garantir o restinho de exposição que sobra e ainda consegue. Dessa jamais abdica. Quem a vir vai julgá-la uma mulher madura, conformada, repartida entre o propósito de fazer o bem e as compras no Continente, antes da recolha da roupa na lavandaria, logo ao final da tarde, a caminho de casa. E depois, quem sabe (não poupemos na ficção), talvez dividida entre uma filha e um marido que a amasse às vezes, à noite. Até que, amanhã, despertos dessa ilusão, tudo volte a ser o que foi hoje, ontem e sempre. Quem a vir desconhece que vive só, longe da filha (há anos), sem companheiro(s) que a queira(m) para além da necessidade numa noite satisfeita, na mais confinada das pobrezas (a da falseada exibição). Quem a vê ignora que não seja quem se esforça por parecer, conseguindo mostrar quem não é. Não admira, portanto, que também amanhã ou depois a voltemos a encontrar na primeira fila de uma outra montra qualquer. Sobrevivendo das esmolas conseguidas não interessa como. Nem com quem. Vive das sobras. E também do efeito dos antipsicóticos que a impedem, eficazmente, de se atirar do segundo andar. 

sábado, 14 de fevereiro de 2015

evidência ou verdade?

...e enquanto isto a 'questão grega' ganha espessura (ou será que a perde?!). Enfim, haja alguém que o diga. Contudo, a avaliar pelos acontecimentos percebidos, nada se compara à realidade. A vivida e a outra, que correrá com destino ao futuro. 

Lá como cá, nem sempre a verdade e a evidência são uma e a mesma coisa. 



quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

é prácabar freguês!

Dos espaços comerciais onde habitualmente me desloco há um cuja proximidade do meu domicílio me faz visitá-lo mais vezes. Terá mais de 100 lojas, estou em crer. Dois pisos de estacionamento. Dois pisos de estabelecimentos. Um piso de restauração e afins. Nele, frequentemente me acontece, como hoje, deixar perdida a atenção na excessiva quantidade de espaços em remodelação. Não há corredor que os não tenha, por vezes, até confinando uns com os outros. São assim inúmeros os que por lá encontro encerrados.
Ora, não há vez nenhuma em que nisso repare, que não comente, com quem me acompanhe, que tais encerramentos, conjugados com a observação de que há muito pouca gente às compras, são um doloroso reflexo da crise económica que o país há muito atravessa.
Depois, com metade de mim imbuída no espírito compulsivo de que alguém terá de fazer alguma coisa (consumo de preferência) para que esta gente sobreviva, lá vou, de loja em loja, deixando o meu rasto de fidelidade consumista.
Mais tarde, nem vos digo quantos euros mais tarde, quando o meu lado de ‘voraz-comprador-de-tudo-o-que-não-me-faz-falta’ já se mostra saciado, disponho-me então a concluir, juntamente com o almoço num dos restaurantes locais, esta incursão de mecenas.
É então, enquanto como, estrategicamente sentado num dos muitos espaços comuns ali disponíveis, que reparo não haver praticamente nenhumas mesas livres. Mais, que muitos outros clientes, de tabuleiros cheios, fazem o circuito pelo meio das já ocupadas mesas, como a nossa, na expectativa de encontrar local onde possam sentar-se e almoçar.
Nisto, depois de em redor da zona que ocupo sumariamente ter contado mais de duzentas das ditas mesas, interrogo-me então para com os meus interlocutores: como é que isto pode estar tão cheio?
E, já depois do repasto, dos cafés e do lento percurso que me leva ao estacionamento onde deixara o carro, sublinho ainda mais a anterior interrogação: mas o que se passa aqui para isto ter ficado assim, subitamente tão congestionado?
Afinal, concluo, os indicadores da economia já não são o que eram. Mudem as lojas, as marcas ou os locais que ocupam, o que não muda mesmo é a avidez com que continuamos a deixar-nos seduzir pelo sofrimento cego a que nos leva a febre consumista e a suposta hipocrisia reinante dos saldos fim de estação. 
Vai daí, agora já ‘pacificado’ pelas ilusões de consumo a que me entreguei, eu pecador me confesso, convencido de que são os outros, não eu (eu nunca), quem sustenta esta enfermidade.


Puta de vida. 

domingo, 8 de fevereiro de 2015

ilusório realismo

Delírios à parte, este gesto de aqui vir em palavras dá-me lustro aos sentimentos que nesta coisa inevitavelmente se envolvem. Basta uma frase, meia dúzia de palavrinhas e o gajo que aqui chegou já não é o mesmo que daqui sai. Dá-se um fenómeno. Opera-se um milagre. E assim, se não escondo que tenho vivido aqui (na escrita) momentos de intensa felicidade, coisa que, bem se vê, só sabe quem me é mais íntimo que a sombra,  também não iludo que nem sempre é  em estado de prazer que acaba este palavroso deleite. Muitas das vezes, tolhido pela irremediável solidão que o acto me proporciona, saio daqui a blasfemar o tempo despendido e a amarga angústia de já não o poder reviver. Será que o teria emendado se pudesse?  Pergunta de quem sabe ser bem capaz de não gostar da resposta. Adiante. Adiante que se isto não é ser realista eu gostaria que me dissessem o que é ser ilusionista. Enfim, fiquemos por aqui, que a vida, por vezes, é mais complicada do que parece e eu ainda vou ter de ir ali fazer umas corridinhas a ver se consigo queimar umas calorias e ganhar distância das maleitas que me afligem. Ou, será que não é para alcançar a ambição de morrer-cheios-de-saúde que correm todos os que lá encontro e comigo se cruzam? Querem ver! 

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

alma caridosa

Tê-lo conhecido só me trouxe coisas boas. Começou por me ensinar a bondade. Não aquela de show off, que mais por aí se vê - qual exibicionismo no seu pior - mas sim a outra, calada, de quem não faz disso pose. Depois instruiu-me na moderação. Ensinou-me a ser contido. Incutiu-me ainda outros hábitos tão distintos como evitar as peles do frango, retirar as impurezas (e o queimado) por baixo de cada pão (ou dos bolos) antes de o(s) comer. E, bem assim, a saber esperar pela oportunidade de causar boa impressão, sem aquela espiral de ansiedade que a faz parecer acaso e não desígnio. Mais tarde, ao dar um passo atrás com o qual me cedeu a mim a ribalta que ocupava (e que sempre fez questão de me considerar devida), ensinou-me a humanidade. O desapego por valores que destapam e revelam a ausência de princípios. Então, ensinou-me a calar o desvario da ambição e a viver na plenitude do bem. O resto é determinação minha. Gasóleo que me corre mas veias, em vez de sangue, com que alimento as incomodidades da mal contida raiva que as injustiças (e algumas pessoas com défice de subtileza) me suscitam. 

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

dia padrão

O dia padrão contém tempo. Contém sol apanhado ali na frente da janela mais exposta. Outras vezes abarca até à perdida imensidão do mar e com ela todo o ar puro que possa existir.
No dia padrão cabem todos os pequenos prazeres a que me permito, tal como o oxigénio da escrita, de que estas palavras fornecem exemplo, ou o luxo da leitura. E fico-me apenas por estes dois, dos que tenho por absolutamente imprescindíveis no meu modesto viver.
Ao dia padrão não falta nem o espírito de desportista nem a quota de disponibilidade com que dou colo aos que mais amo.
Do dia padrão faz ainda parte a temeridade necessária para recusar fretes. Rejeitar a contrapartida dos favores que criam dependência enquanto duram, e que deixam dívidas por pagar depois que acabam.

Num dia padrão abro as portas quando o sol nasce, fecho-as quando a noite cai. Muitas vezes, pelo meio, um colorido de céu como não há igual. Onde até a paz das nuvens me basta para ser feliz. 

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

uma mão lava a outra, nada se suja

Há na política um instante acima do talento democrático dos seus melhores arautos, chama-se oportunidade. Com efeito, conclui-se que em política não existem bons nem maus, já que, perante a oportunidade e de acordo com as circunstâncias (ou a ocasião) todos revelam um poucochinho mais das suas particularidades humanas e, por norma, ninguém desdenha a chance de poder vir a enriquecer um bocadinho mais, mesmo que isso o torne tristemente desonesto. Em política, já se percebeu, a desonra não diminui. Sobretudo se aqueles que a alcançam só se mostrarem realmente incisivos (e combatentes) com a que lhes é alheia. Porém, em política a verdade nem sempre é a realidade. Há muitas (e várias) verdades. Afinal, também aqui, nesta área, e na consumação dos interesses pessoais de cada um, parece não haver nada que a água não lave. E com sorte alguém há-de ajudar a que não se saiba. Ou a esquecer, tanto faz.