domingo, 29 de junho de 2014

e vento



Eu (tenho de confessar), temia o pior. E o pior, muito pior, aconteceu. Nem a minha mais religiosa tolerância seria capaz de suportar tal momento.

O resultado é que vou levar meses até me refazer do perigo que corri. Anos até saldar a dívida para com quem me salvou daquele inferno.

sábado, 28 de junho de 2014

a idade obriga-me a ir rarefazendo os gostos

Não sei quem é José Micard Teixeira (o autor da citação ut infra) , ou por outra, devo saber dele o mesmo que o senhor sabe de mim. Isto é, nada. Isso é óptimo, pois permite-me usar aqui as suas palavras sem dar lugar aquele sentimento de dívida própria dos palermas. Ou seja, cito-as porque me revejo nelas. Apenas e só.  Ah, e também por elas reproduzirem de forma tão intensamente visual o que eu levaria umas quantas  folhas de prosa para vos dizer. Elas aí estão, dolorosamente presentes, valendo por explicação às dúvidas que possam haver.


«Já não tenho paciência para algumas coisas, não porque me tenha tornado arrogante, mas simplesmente porque cheguei a um ponto da minha vida em que não me apetece perder mais tempo com aquilo que me desagrada ou fere. Já não tenho pachorra para cinismo, críticas em excesso e exigências de qualquer natureza. Perdi a vontade de agradar a quem não agrado, de amar quem não me ama, de sorrir para quem quer retirar-me o sorriso. Já não dedico um minuto que seja a quem me mente ou quer manipular. Decidi não conviver mais com pretensiosismo, hipocrisia, desonestidade e elogios baratos. Já não consigo tolerar eruditismo selectivo e altivez académica. Não compactuo mais com bairrismo ou coscuvilhice. Não suporto conflitos e comparações. Acredito num mundo de opostos e por isso evito pessoas de carácter rígido e inflexível. Desagrada-me a falta de lealdade e a traição. Não lido nada bem com quem não sabe elogiar ou incentivar. Os exageros aborrecem-me e tenho dificuldade em aceitar quem não gosta de velhos ou de animais. E, acima de tudo, já não tenho paciência nenhuma para quem não merece a minha paciência.»

sexta-feira, 27 de junho de 2014

enxofre

Nunca me tinha acontecido. Comecei a ler o último livro do JRC (nome irrelevante para o caso) já vai para um mês, e ainda não consegui ir além das 60 páginas. Não é dizer mal do senhor, nada disso, mas a idade (o avanço nela, melhor dizendo) tem vindo a corroer-lhe o talento na razão inversa da fama que (re)conquistou  nos últimos anos. Quem passou pela boa dezena de obras que eu lhe conheço só não nota a diferença se usar a caridade como cosmético para justificar o que, de então para cá, lhe foi ficando pelo caminho.


O pior é que descurada a qualidade da escrita (já era queirosiana à data em que o compôs, dá para concluir), pouco mais nos prende a atenção. Faz-me mesmo lembrar aquelas reedições, revistas e melhoradas, das obras literárias cuja primeira versão já não era coisa que se digerisse facilmente. Também aqui, não há volta a dar, vou ter mesmo de redobrar a dose dos comprimidos de carvão, para aquietar a flatulência que o volume, componente  pedagógica incluída, insiste em me causar. Pior só mesmo o fedor do enxofre.

quinta-feira, 26 de junho de 2014

detalhes de artifício e miséria

Diz-se por aí que se vivem tempos de definição. De redutoras definições, acrescento eu. Sobretudo daqueles que insistem em não se adaptar a esta nova realidade high tech e ainda não encontraram o caminho certo a tomar. 

O tempo dos currículos de contrafacção, usados com o fito de fazer passar os donos por aquilo que não eram (como se a miséria não fosse já suficiente), deu lugar à actual ‘ânsia de mostrar’ que não se compadece com tais ritos de falsa exibição.

Antes, o mise em scene do ‘Dr.’, ou do 'Engº.', ou do 'Prof.', antecedendo o nome dos que queriam passar por eles, fazia de muitos o que as próteses dentárias fazem dos dentes – imitações (algumas bem farsolas, por sinal). Hoje, se dúvidas houvesse, as novas  tecnologias acabaram com elas (mérito quase único que lhes reconheço), impedindo os originais de se confundirem com as reproduções, como acontece com os quadros a óleo e as pérolas.

É que o pão-pão-queijo-queijo da realidade tecnológica tudo mostra, tudo expõe e tudo queima. Já não há pobres cujo espírito se enriqueça com tais embustes. Perdem assim a credibilidade os que antes julgámos doutos, a quem a linhagem da conduta (ou da postura) impede de dizer mais do que aquilo que lhes vemos (ou do que lhes lemos, tanto faz).

Os títulos pessoais anteriormente usados para dar uma aparência florida (leia-se, um mínimo de importância, ou uma oportunidade de sobrevivência) aos seus utilizadores, perderam a cintilação e a relevância, em especial quando os vemos, assim, submersos na neblina desse sinistro que são as vidinhas de cada um, aqui expostas como é costume. Quantas delas relatadas na mais deprimente escrita (ou leitura,  para quem as interpreta) ou na maior vulgaridade de imagens.

A tecnologia já não permite que o pechisbeque ofusque com o mesmo fingimento as caganças e a ilusão das ostentações com que antes extraía sustento do solo infértil dos imitadores. Já não deixa passar por cordeiros os cães à cata de sobejos. 

É que agora, por estes lados, nestes ambientes, as danças de salão apenas recreiam os que as saibam dançar. Já não basta querer, é também preciso poder.

segunda-feira, 23 de junho de 2014

(menos)prezo

Do bem que extrai do tempo que ali passa escorre o desdém com que atinge certeiro os alvos da indiferença que sabe doer-lhes. Parece amargo, mas ele não crê que seja. Faz parte da felicidade que deve a si próprio. Defende. 

quinta-feira, 19 de junho de 2014

tresmalho

Para que conste, não tenho uma única tatuagem. Sei que isso, nos tempos que correm, pode até parecer-vos uma excentricidade, mas quero lá saber. Mesmo que muitos de vós estejam já aqui a aferir do meu atraso em relação à modernidade, ou isso me confira até um estatuto de ‘diferente’, estou pouco importado com o assunto. E nem sequer o facto de não ter doado um único milímetro da minha estimada pele à causa tattoo, o que faz de mim um farol (em laboração) nos balneários da piscina que frequento, me consegue converter a semelhante atitude. Ainda assim, e para sossego das partes que aqui possa ter escandalizado, sempre vos digo que, fosse eu seguidor da seita, e o design que escolheria seria o símbolo da monarquia. Não sei explicar porquê, mas mexe comigo. E olhem que nada tem a ver  com a Letícia, que por sinal até acho uma escanzelada de causar dó. Talvez seja antes pela expressão que tanto admiro: o rei vai nu. Por poder simbolizá-la assim, tout court. É por isso, afinal, concluo agora . E, se não fosse possível, em alternativa, escolheria o ferro dos irmãos Palha. Uma escolha determinada pelo meu apurado instinto de rebanho. Se há coisa que detesto é sentir que tresmalhei. E sinto-o tantas vezes. Tantas. Esta foi só mais uma. 

quarta-feira, 18 de junho de 2014

e disse...

"Nós somos casas muito grandes, muito compridas. É como se morássemos apenas num quarto ou dois. Às vezes, por medo ou cegueira, não abrimos as nossas portas."

António Lobo Antunes

terça-feira, 17 de junho de 2014

(re)torno


Afastado do fio de comunicação que são os meus monólogos neste blogue passei perto de uma semana (mais coisa menos coisa) em que achei ter-se esgotado o meu stock de paciência para aqui vir fazer os depósitos diários do meu sentir. Foi uma coisa assim mais à míngua de vontade do que de ideias. Mas já passou. Passou para outro nível, digamos assim. Como era previsível bastou-me uma semana (nem tanto) longe disto (leia-se, da escrita) e já me sinto esmagado pela necessidade de voltar. Um aperto estranho. Uma agitação daquelas (muitas) que não são visíveis a olho nu. Por isso, cá estou de volta. Pronto para expor o lado básico dos meus pesadelos. De alguns sonhos também. Embora menos. Enfim, essas coisas que me ocupam mais a cabeça do que o coração. Também por isso, e à cautela, já comprei um caderno de registos, para nele anotar com aprumo os adornos emotivos que escorram do fim de semana que aí vem, longe disto. Até lá.

sexta-feira, 13 de junho de 2014

volúpia da alienação (a dolorosa consciência)

Mesmo quando o pão escasseia, o futebol, o facebook,  as novelas da TVI e os programas das SIC (em especial aqueles com concorrentes seleccionados na nata da Curraleira), continuam a cumprir a sua missão - promover a ignorância e a boçalidade em larga escala.


A única coisa que não entendo - de resto já só mesmo esta dúvida me inquieta - é de onde provém tanto assombro com a vergonhosa qualidade da geração de políticos que temos (alguns deles certamente repescados numa segunda escolha da tal nata usada pela SIC)?!

Ou será que, muito sinceramente, acham mesmo que estamos aquém do que merecemos? 

Francamente, vão lá ser exigentes para o diabo que vos carregue.  

quarta-feira, 11 de junho de 2014

reacção vagal

Não conhecia, foi uma novidade para mim. Acho que nunca tive. Não, nunca devo ter tido. Começa por se perceber a carne do rosto a tornar-se máscara (feita de gesso) e, depois, tremelicamos um bocadinho, olhamos o rosto de quem nos ampara (com surpresa, é importante que se mostre sempre alguma surpresa). Sim, não vá o conchego ser uma forma de nos levar a carteira. 

Depois, à medida que nos sentimos rodeados de assistência, vamos tomando aquela postura de ‘cadeirinha’. Uma mão em modo ‘travadinha’ e o resto do esqueleto rígido como uma tábua. Como quando eramos infantis e jogávamos ao ‘rei-manda’, estão lembrados? Fitamos o olhar naquele presente vago (de vagal) que costumamos emprestar às pessoas com quem de vez em quando trocamos esgares, palavras de cortesia e as  banalidades do costume. E rezamos para que nos depositem algures por ali, de preferência acima do chão, num local que faça pendant com a nossa condição, mesmo vagal que seja.


 Feito isto, é esperar que nos tragam a água (leva entre 5 minutos e meia-hora) aproveitar o tempo para localizar, por exemplo na Wikipédia, um nome que explique o que sentimos (lá está o vagal da coisa, puta de palavra).  De preferência que ninguém saiba o que significa. E, finalmente, encontrar alguém credível para passar a notícia do  nosso restabelecimento. Pode até dizer que  nunca perdemos a consciência, não faz mal e, no meio daquela confusão, haverá sempre quem acredite que a tínhamos. 

Bom, eu por mim juro já aqui, que se um dia tiver uma reacção destas, podem ficar descansados, não ressuscitarei.  

segunda-feira, 9 de junho de 2014

acórdão (ou não acordam?)

A pérola ganhou honras duma notoriedade capaz de me dispensar de aqui a trazer, mas, ainda assim, não quis correr o risco de permitir que pudesse ter escapado a algum dos meus dois leitores.

Eu explico, venham daí.

Trata-se, tão-somente (não é pouco, vão ver), de aqui reproduzir uma sumária passagem do último acórdão do Tribunal Constitucional. Digamos que, um pequeno excertozinho das 6 páginas dessa joia jurídico-legislativa.

Ei-la:

«Nenhum critério densificador do significado gradativo de tal diminuição quantitativa de dotação e da sua relação causal com o início do procedimento de requalificação no concreto e específico órgão ou serviço resulta da previsão legal, o que abre caminho evidente à imotivação (...)»

Porra! Faz-me isto lembrar a aldeia (era um lugar, mas não importa) onde morava o meu avozinho. É que lá também viviam 13 famílias e nenhuma sabia escrever. Por isso, quando alguém precisava de redigir umas linhas, lá tinha que ir à Vila pedir a um iluminado que o fazia. 

Coitado do avô, devia ser daí que lhe advinha a imotivação para tão poucas vezes nos escrever. 

sexta-feira, 6 de junho de 2014

encargos, naufrágios, dívidas, divórcios e outras fatalidades afins

Saber a história toda é um privilégio de poucos, cuja escolha resultou do mesmo equilíbrio de fio da navalha de que proveio a íntima e pessoal preferência que me destinaram quando fizeram de mim o alvo do seu interesse, nunca dos seus interesses. 

Não entendo, pois, onde haja agora que estranhar, ou desconheciam que devemos saldar sempre as dívidas com os deuses? Nem que seja devolvendo-lhes parte da felicidade que nos concedem. Vá e agora vamos lá a ser felizes que o passado dá péssimas ressacas e o futuro sonha-se mais intensamente longe de certos males.

quinta-feira, 5 de junho de 2014

Desidério

Desde que o conheço que sempre o vi a fugir das amantes, mais que da família. Inventa ciúmes da mulher, doenças que a tolhem enferma, coitadinha, razões de sobra (e monta) para com elas não passar as noites. Talvez evitando-as mal dormidas, exigentes, cansativas. Outras vezes chega mesmo a reduzir a uns míseros trocos de megera as mercês com que lhes agradece as graças da língua e lhes aquece as ausências da alcova, dizendo-lhes acreditar (confiante, bem se vê), no amor que todas lhe diziam ter. A ele, não aos bens ou aos pechisbeques que, ingénuas, julgavam  extorquir-lhe. E, fugindo-lhes, lá voltava ele a casa, acolher-se no leito nupcial, no conforto e na companhia da (já de certezinha)  adormecida esposa. Sempre foi um bom marido o Desidério.  

terça-feira, 3 de junho de 2014

bricolage


Descobri que a bricolage é uma actividade que dispensa a pressa. Daqueles onde a própria paciência faz parte do prazer, à medida que vamos preparando o resultado final, nem sempre aproximado do que sonhámos. 

segunda-feira, 2 de junho de 2014

e disse... (*)

"Viver é como escrever sem corrigir."

António Lobo Antunes

(*)  Inauguro hoje, aqui, este (como chamar-lhe?!) espaço, destinado a esculpir em ALTO RELEVO (inicialmente pensei chamar-lhe assim, mas depois pareceu-me desapropriado de pretensioso) frases, colectadas ao acaso das minhas leituras, cujo destaque da massa do vulgo me despertou a vontade de as coleccionar depois de me terem convocado a atenção. Lamento se vos parecer que estarei excessivamente focado num ou outro autor (mais do que em outros), mas esse é preço da fidelidade que lhes tenho em matéria de admiração.

domingo, 1 de junho de 2014

amigo(s)

Assim se auto-designam muitos dos conhecidos que apenas se lembram de mim quando precisam. Fazerem-no sempre foi para mim um dos insultos mais esclarecedores de que fui alvo. E, mesmo que não elucidem  muito (quase nada) sobre aquele a quem se destinam, tudo esclarecem em relação aos que o usam.