sábado, 28 de março de 2015

eles matam-se(-nos) a todos!

E eis que um garoto, de quase 28 anos  - Andreas Guenter Lubitz – vítima de uma depressão profunda, arrasta consigo mais 149 almas para o mais triste e patético (e inesperado) dos fins a que pode entregar-se um adulto ainda em construção. 

E afinal, porque o terá feito assim, acompanhado por tantos inocentes?

Só encontro como resposta uma fria incógnita onde cabem todas as explicações. Talvez, quem sabe, lhe tenha parecido menos doloroso fazê-lo assim. Incorporando no alívio para o seu ‘sofrimento’, perpetrado numa decisão tomada antes (muito antes) da entrada na cabine daquele avião, a companhia de toda aquela pobre gente.

É assustador. Não só imaginarmo-nos à mercê de tais insanidades, assim travestidas de gente sã e responsável, como ainda sabermos que, seguramente (e sublinho o seguramente) todos nós privamos, no nosso dia a dia, com outros Andreas Guenter Lubitz.

Eu mesmo, assim de repente, me lembro de alguns com quem já lidei na minha humilde vida profissional. Um, andou 12 (contados) meses com a mesma roupa e os mesmos ténis. Juro pela minha querida saudinha! Um fato de treino (sim é de um serviço do Estado que falamos,  e sim, faz-se por lá exclusivamente atendimento público) que permitia as imensas combinações que vocês já estão a imaginar: com calças e blusão e, com calças sem blusão, em tshirt, portanto, ora a branca com dizeres nas costas, ora a cinzenta com publicidade no peito.
Era uma figura bisonha, perturbado a um nível que reclamava intervenção urgente (internamento, até talvez, que um dia o miúdo descompensa-se e vai ser o bom e o bonito.) Levava esta 'ave' os santos dias a fadar o futuro numa folha Excel, onde alimentava um gráfico de ambições (imagine-se): Dezº de 2016 - comprar uma aparelhagem Bang & Olufsen - 2.000,00 €; Agosto de  2015 – comprar um conjunto de sofás Chateau d’Ax - 4.500,00 €; Março de 2017 – comprar uma mota Honda Gold Wing  29.000,00€. 
Há uns anos, pela via do crédito bancário, adquiriu um apartamento. Não decorreram muitos meses até que a administração de condomínio do imóvel viesse contactar o serviço. Digamos que veio certificar-se se a insanidade do petiz, com que se estavam a ver confrontados, era real ou imaginária. E era real sim, dolorosamente real. Tão real como as inúmeras histórias (do mais incrível grotesco) que relataram, do alucinado comportamento do rapaz para com os restantes moradores seus vizinhos. 

Bom, depois desse veio um outro. Juro que gostava de vos dizer que era melhor. Gostava mesmo. Mas, não era. A sua bipolaridade entregava-o de manhã bem disposto e comunicativo, levava-o ao almoço já meio sisudo e fechado em si, e fazia-o retornar à tarde, mudo, mal-disposto, prestes a explodir de ira, raiva,  cólera, fúria ou outra qualquer dessas danações que a mente humana,  quando se inclina para o disfuncional, melhor sabe exibir. 
Um dia, a má sorte ou o avesso destino levou-me a visitar um blog que o infeliz me confessou sustentar na net (tão mau como este meu, sim é verdade). É um espaço negro. Onde escreve a negro. Negros textos decalcados de uma negra infância a que faltaram preciosos e indispensáveis ingredientes. Mete medo ler aquilo, ainda que as palavras empregues expliquem tudo o que estas linhas não conseguem. E o pior é que temo mais pelas duas almas que educa do que por ele mesmo (dois filhos ainda crianças, um deles, talvez já com 5 ou 6 anos, que evidencia visíveis problemas de interação com o meio ambiente, constantemente transportado ao colo dos pais, por manifesta impossibilidade de o fazerem direccionar no sentido desejado. Nunca  o vi comunicar com aqueles a quem o  tentaram apresentar, expor ou mostrar.)


Tudo isto para vos dizer quanto urge dotar os serviços de saúde de mecanismos de alarme, onde o disparo de  casos como estes possam  ser diagnosticados e, devidamente acompanhados. É que, de contrário, eles matam-se(-nos) a todos…

quinta-feira, 26 de março de 2015

(con)juntos

Aos poucochinhos, como fazem as galinhas com o milho, que as ajuda a construir a sua reputação, também faço eu com os hipócritas, deixando que se juntem todos num mesmo conjunto, onde reúno os melhores expoentes da mentalidade cretina. Torna-se assim mais fácil perceber que a atracção que os uniu é tanta como as semelhanças entre eles. Sempre gostei muito de imbecis, não escondo. 

sexta-feira, 20 de março de 2015

a imensa consideração que lhes tenho – isto é, nenhuma

Numa postura cujas razões é prudente não demandar descobri que hoje em dia, já livre do aperto da ‘gravata’, passo por eles e incho os ombros. Olho-os de igual para igual, como se fosse isso coisa que antes me estava vedada. E estava, claro que estava. Mas agora, talvez num excesso de pose cuja vanglória desconhecia ter, cruzo-me com eles e, fazendo-os sentir quanto os considero, pisco-lhes o olho. Outras vezes não. Olho-os apenas de frente, com o mesmo desdém com que antes me trataram. Sabem qual é? Aquele que eles, lá do alto da íngreme escadaria da sua majestade, dedicam aos mendigos a quem dão esmola em dias certos. Uns merdas, como diria o senhor meu progenitor que sempre foi muito certeiro em tiro de precisão. 

quarta-feira, 18 de março de 2015

(des)crenças irracionais

Não sei se ela esperava de mim outra coisa que não fosse o que lhe dei. É mentira, claro, mas aqui dá gosto deixar a dúvida. A razão  principal, quando não a única, deve-se á sua conduta. Certamente com origem na banha da cobra do reiki, em que se diz especialista, ou numa outra qualquer das crenças irracionais a que chama terapias, que tem concentradas na ponta dos dedos, mais que no cérebro, que esse parece trazê-lo vazio. Usando da natureza interesseira que lhe desconhecia, tal como as outras, pediu-me ajuda. Uma vez. Duas. Três. Concedida como a dei, com o timbre de competência com que gosto de fazer o que melhor sei, só me restava esperar que o reconhecimento de um simples ‘obrigado’ viesse ao meu encontro. Esperei. Esperei. Esperei. Não veio. Levou um ano inteiro sem vir. Até que, cumprido o ciclo, com o mesmo sentido de oportunidade com que o fizera das outras vezes, me telefonou. Com pressa. Sem tempo. Repartida entre a viagem de regresso a casa e mais uma das suas sessões de terapia, com que tanto cura um cancro como uma unha de pé encravada.
- Precisava que me ajudasses outra vez, este ano - ouvi-a dizer.
Então, eu, que antes era estúpido e agora já sou apenas presunçoso, puxando para mim o mesmo descaro que a vejo usar, disse-lhe:
- Eh pá, que pena, este ano não vou poder…
E, tentando por em prática a minha limitada sabedoria, que jamais soube lidar com estes improvisos, acrescentei:
- Estou de partida para o Tibete onde vou estar 3 meses, a fazer uma formação em copos de água, perdão, em homeopatia. Desculpa lá.

É por isso, e pelo tom desiludido e desgostoso com que de imediato se despediu, que eu digo que não sei se ela esperava de mim outra coisa que não fosse o que lhe dei. Desconfio que não. 

segunda-feira, 16 de março de 2015

vontade de atrasar os ponteiros ou parar o pêndulo

Já passava das duas da manhã quando parei de escrever. Apaguei as luzes e fui espreitar a rua. As noites de domingo são estranhamente sossegadas. O último som que retenho foi do autoclismo do andar de cima. Depois, o correr de água no bidé. Rápido, quase urgente até. Devia passar pouco da meia-noite. Não muito, uns minutos apenas. Num encadeado de rituais de que não abrem mão (até nas horas a que corre água no bidé do andar de cima), a rotina dos domingos é de uma sincronia assustadora. Quase pendular. Depois, a afastar a recordação de que só vai voltar a ser domingo daqui a sete dias, fui à casa de banho, fiz xixi, lavei as mãos e os dentes, enfiei-me na cama e não demorei a adormecer. 

domingo, 15 de março de 2015

bolachas baunilha


Trago comigo desde os idos anos da adolescência  uma mão cheia de sabores que, experimentados em diversas circunstâncias da vida, se devem ter alojado na minha memória duma forma assustadoramente eficaz. Um deles (há muitos outros) resultou de uma espécie de castigo que o senhor meu pai ao tempo me impôs.

Tratou-se da punição que me foi aplicada por ter reprovado (por faltas e afins) num dos primeiros anos do liceu. Passei os dois meses de supostas férias a fazer aquilo que hoje é bem capaz de ser classificado como um crime social. Ou seja, a trabalhar (pro bono) num supermercado local, de que os meus progenitores eram associados.

Acho que a expectativa dele, ao fazer aquilo, era que eu tivesse vergonha. No entanto, está mesmo a ver-se, não tive. Não tive e ainda hoje me parece que a experiência, mesmo arrumada lá no passado distante onde ficou, me foi extremamente útil para a vida.

Primeiro, porque foi daquelas penas que não doeu sequer. Depois, porque com ela aprendi tudo o que não sabia (e que era possível aprender num lugar daqueles) do sistema monetário ao sistema métrico, ou das relações humanas à mais habilidosa manipulação comercial. Digamos que fui um excelente aprendiz do papel que incarnei - o Manelinho merceeiro dos livros da Mafalda.

- Pode levar à confiança Dª Francisca que os bolos são todos de hoje – aprendi eu a dizer com aquele ar da mais inquestionável convicção, incluindo nas palavras ‘todos de hoje’ a dúzia e meia de bolos que tinham sobrado de ontem.

Ora, acontece pois (como já percebam), que ainda hoje tenho para com o aludido correctivo, e o contexto em que foi aplicado, uma postura de agradecido reconhecimento que me é (e será sempre) impossível iludir.

No entanto, tal como dizia no início, o que aqui me traz é a panóplia de sabores (e aromas também) que desse tempo retive. A maioria, é óbvio, provêm da minha confessa gulodice, a qual, fruto da liberdade de que gozava no espaço comercial em questão, depressa tratei de exacerbar até ao limite do suportável pelo meu pobre fígado.

É então daí que trago guardado, no meu imaginário gustativo, um lugar especial ao sabor das bolachas de baunilha, as quais terão sido o primeiro alvo dos meus ataques de gula. Devo ter comido umas boas caixas (e quilos) delas, que devorava ao longo dos dias, acompanhadas das, então em voga, bojudas garrafinhas de Laranjina C. Virei, tenho a certeza, umas valentes litradas delas.

Claro que, pelo meio deste festim gastronómico, e para desfastio, eram incluídas generosas, e bem fornecidas, sandes de paio, de torresmos e de queijos vários, servidas ao sabor do meu crescimento e do constante apetite que o acompanhava.

Também assim, não há como ocultá-lo, os intervalos dos meus dias, nos espaços de tempo não dedicados às razias gastronómicas da mastigação, eram frequentemente complementados com um selectivo raid gourmet  aos pacotes de sugus, às caixas de pastilhas e aos sacos de caramelos.

A minha voracidade era tal que, em casa, às refeições, até a minha querida progenitora passou a sentir-se apreensiva com a inexplicável falta de apetite que eu revelava. Nem sei mesmo se não terá chegado a pensar que pudesse aquele súbito fastio estar associado à eficácia do castigo (pobre Emília que não merecias um safado de um filho destes).

E no entanto, fosse naquela altura possível monitorizar o disparo que terá sofrido o dito estabelecimento, no que ao consumo daqueles específicos bens alimentares diz respeito, e ter-se-ia revelado melhor negócio a avisada dispensa dos meus serviços, mesmo pro bono, do que suportar o encargo da especialização em sabores e aromas que por lá fiz, naqueles dois meses.


É que, convenhamos, foi tal a intensidade, que ainda agora, só de reviver aquele tempo através desta descrição, voltei a sentir o paladar e acho até que a arrotar às bolachas de baunilha que já não como há anos. Pudera (esgar de enjoo da abundância).   

sábado, 14 de março de 2015

o autoritário exercício do poder

Trânsito proibido

E eis que aquilo que ontem era intolerável hoje não passa de deslembrado olvido. Tal como se tornou punível o que antes era exigido que se apurasse. 

Bom, depois disto não sei o que seja melhor. Se cegar de vez ou conseguir evitar estes seres divinos que não podem ser olhados nos olhos.

Os funcionários das finanças possuem perfis de acesso às plataformas informáticas. Qualquer consulta que promovam, como é bom (e fácil) de ver, deixa um rasto sempre possível de apurar. Daqui resulta que, qualquer espécie de consulta, feita com propósitos de devassa, é e será sempre fácil de localizar, permitindo, quando caso disso, imputar aos seus mentores a inerentes responsabilidades disciplinares. Nada de mais até aqui. 

Contudo, extrair relação de todos quantos fizeram consultas APENAS A DETERMINADOS CONTRIBUINTES, e movendo-lhes perseguição considerá-los (em pacote) objecto de acção disciplinar, é conduta que já cai fora do propósito normativo. Sobretudo quando os responsáveis pela própria plataforma, confundindo autoridade com autoritarismo, a optimizam por forma a poder monitorizar 'no momento' quem ouse usá-la para consultas à protegida elite. Salta aos olhos que tal intuito, aqui ou no Turquemenistão, não possui outro escopo que não seja INTIMIDAR aqueles a quem se pede 'olhos atentos'. Avisá-los de que AQUI NÃO! ESTA LISTA SÃO CARTAS FORA DO BARALHO. E no entanto, a coisa é tão mais grave quanto é sabido que integram a dita lista muitas e exaltadas almas que, imagine-se, NEM SABIAM QUE TINHAM DE PAGAR. Isto, por muito que custe, é uma evidência a que não se pode fugir.

Em suma: ou mudamos de rumo ou um dia destes ainda nos privatizam a democracia. 

quinta-feira, 12 de março de 2015

por prazer e gosto do exercício

Pensei que tudo desaparecesse com a idade mas não fui a tempo. Já era tarde quando percebi que não seria capaz de a trocar pelos copos com os amigos, menos ainda por intensas paixões. Tornou-se a praga e o fatalismo da minha  vida.

segunda-feira, 9 de março de 2015

traficância caviar

Todos eles muito in. Faróis da virtude. Lutadores até mais não. Carregam de pequeninos o estandarte duma liberdade de que se convenceram ser donos. Mas não são. Estão apenas num outro extremo. Numa mesma disputa. Palavras de ordem. Megafone nos queixos. Eles, chamam-lhe campanha. Eu, chamo-lhe corrida ao pódio da subsistência. Luta pelo tachinho. Pequenino. De mau alumínio. É que lá no fundo, apesar do esforço para que não se saiba, a realidade é a mesma. Politicamente correcta só a farsa a que se prestam. Uns e outros, vigaristazinhos das mesmas fraudes. Oportunistas dos mesmos golpes. Beneficiários dos mesmos esquemas. E no entanto, é vê-los a todos, nas suas ideologiazinhas de pacotilha, assanhados que nem gato a bofe, aos que não sejam da cor. Vendilhões do engano que é julgá-los diferentes. Mas não são. Estão apenas num outro extremo. Todos eles muito out.

domingo, 8 de março de 2015

alívio

Partilho com eles o meu sofrimento. Do pior dos males à maior das dores. Da solidão à angústia. Do medo à tristeza.  Conto-lhes tudo. E faço-o, diga-se, mesmo sabendo não ser grande herança a que lhes deixo. 

quinta-feira, 5 de março de 2015

a encruzilhada a que se chegou

O conhecimento que tenho do mundo não me permite pensar que o nosso futuro saiba sobreviver ao mau passado que tivemos e enfrentar o triste presente em que nos encontramos. O único ânimo que me conforta ainda é a certeza de que pior é sempre possível. F…-se!   

quarta-feira, 4 de março de 2015

secção 9 campa 54

O local é bonito. Arejado. Soalheiro. Ainda assim, mesmo sabendo que vou lá para meu bem. Para aquietar a saudade. Morro um bocadinho de cada de vez que faço aquele percurso de regresso. Por entre as flores de plástico, as jarras de vidro da loja do chineses e a alcatifa verde que forra uns quantos daqueles pequenos montes de terra, alguns com o emblema do Benfica, outros do Sporting. O mau gosto mata.   

segunda-feira, 2 de março de 2015

a visita

Estou de volta. Fui ver o Sr. Padre Mário ao hospital. Adoeceu de repente. Assim, do nada. Não sei se foi castigo de deus. Há punições iguais às dele por todo lado no quotidiano daquele piso. Na enfermaria ao  lado, disse-me ele, há cinco ou seis. O mais velho tem doze anos, o mais novo apenas quatro. Sabê-lo fez-me doer ainda mais a doença do Sr. Padre Mário. Quando me vinha embora apertei-lhe a mão, com força. Como se quisesse dizer-lhe: coragem. Ele sorriu-me com os seus olhos generosos. Ao mesmo tempo, levando a minha mão ao encontro dos seu lábios, beijou-me a ponta dos dedos. Só depois, à medida que percorro o corredor, percebo que levo comigo, no pensamento, aquele inesperado gesto. E só então, quando o elevador me deixa na cave, mesmo ao lado da máquina onde vou ter de introduzir o cartão do parque de estacionamento, reparo que, do outro lado, entre o quiosque dos jornais e o balcão dos seguranças, fica a capela. Um cubículo apertado, com três bancos corridos, onde já cheguei a ouvir o Sr. Padre Mário falar de deus. Talvez por isso, quem sabe, Ele lhe franqueie as portas do paraíso, agora que parece já tê-lo chamado a fazer a viagem. Nisto, é o ruído metálico das moedas que caem no fundo da máquina, que me desperta. Retire o bilhete, diz-me a voz saída do seu interior, ao mesmo tempo que, no mostrador de vidro, onde antes se lia dois euros e vinte cêntimos, aparece agora obrigado pela visita.