Nos anos oitenta se perguntassem a
alguém o que achava de uma aplicação informática através da qual fosse possível
ver o que pensava, avaliar a sua imaginação, os seus gostos pessoais, expor
a sua intimidade, os seus relacionamentos, conhecer as suas limitações, a sua
criatividade ou os seus conhecimentos, muito pouca gente aceitaria integrá-la,
tenho a certeza.
Hoje, trinta anos decorridos, já temos as redes sociais e o
contraste passou a ser feito por oposição com aqueles que não usem as ditas aplicações, seja para
mostrar o rabo ou para espiolhar a vida íntima dos outros, seja batendo palmas, soltando gostos a torto e a direito, ou ali ir publicando vulgaridade em formato
‘peço-desculpa-mas-não-tenho-ideias-próprias’.
Não me surpreende, confesso. O que
ontem era mau hoje é muito bom. E, se há matéria em que a evolução se espraiou
por piores terrenos, esta, do advento das novas tecnologias, nela incluindo a
própria TV que nos entra pela porta dentro - paga a preços que deviam obrigar à
qualidade - passou a ser do mais reles e inferior que há.
Em termos de audiovisual o conceito
de produção nacional esgota-se hoje no mais nojento (leia-se asqueroso) dos
programas de voyeurismo. Massificado em canais (e canais) cujos horários nobres
são ocupados por milhões de espectadores, a espreitarem para dentro de uma casa
onde o vazio é preenchido por gente ainda mais vazia, ordinária e sem valores.
Gente desprezível, escolhida a dedo, que nós, cá fora, mostramos aos nossos
filhos, senão para que eles aprendam a preferir o que é nosso, porque a
alternativa não é melhor. E é assim quando a opção, nos canais ali ao lado, designados
por interactivos, o que passa é algo que não se esgota na má qualidade, a que ouvimos
chamar stand-up-qualquer-coisa. Que é como quem diz, programas de néscios, que se
intitulam humoristas, feitos para néscios, incapazes de aferir e entender que o desnível
de cultura a que estão a ser submetidos há muito baixou do zero e passou a ser
cotado a vermelho, por números negativos.
Esta sim, é a linha que divide o respeito das instituições
pela educação e cultura de um povo, pelas suas vidas privadas, atraídas ao
engodo da exposição a qualquer preço, indiferente à sua estupidificação. .
Dos anos oitenta para cá, um tsunami de modernidade levou à sua
frente a fatia da população que então se dizia educada, culta, informada,
esclarecida. À vez, todos juntos, ou cada um por si, foram forçados a ficar indiferentes,
e desinteressados. Ou, se preferirem, numa palavra ainda mais exacta – tacanhos.
O que os define, descurando as marcas da
roupa ou as lojas onde a compram, o modelo do carro ou os locais das férias, é
que são agora uma imensa maioria, no seio da qual perderam expressão as
famílias – avós, pais, filhos, não interessa – capazes de chegar ao fim do mês
com mais noites de serão a ler um livro (ler o quê?! o que é um livro!? livro
de quê!?), ou em que foram ao teatro, ou ao cinema, do que aquelas em que
ficaram a ver o nojo em exibição ou a
trocar postagens que outros fizeram.
Eis, pois, o esplendor da vida privada no ano 2014. É entrar, é
sentar, a TV está ligada, o portátil também. Venham daí, assistir há verdadeira
contradição no seio do entretenimento. Aprender a mediocridade.
Como já alguém disse: é
como se o mundo girasse e nós parados. À espera do milagre. Ou, talvez, quem sabe, da aplicação que nos
formate, de bestas em um-bocadinho-menos-estúpidos ou, ainda com mais sorte,
outra vez em seres racionais.