quinta-feira, 28 de agosto de 2014

sonhos

Certamente desagradado com os que tem tido confessou-me que dorme sem eles. Sem os ter. Deixou pousar a vida no fim e cansado de se fazer de criança maltratada desistiu. Seguiu em frente, diz. Vive o momento, indiferente ao futuro. Rodeado de alguns conhecidos que trata por amigos. Lençóis sujos de relações a que chama sentimentos. Afastado da família que abandonou. Distante dos filhos que evita. Estou em paz, estou finalmente em paz, fez questão de repetir.  Eu, no entanto, tenho outra opinião. Penso para comigo que já os teve todos. Que os esgotou. Deve ser muito triste dormir uma noite (ou um sono) assim. 

domingo, 24 de agosto de 2014

o que haverá de mais eterno do que o desejo duma criança?

Num só fim de semana - três dias - o meu neto mais velho (seis anos) perguntou-nos duas vezes se ainda iremos estar vivos quando ele tiver filhos.

Não sei o que ele tem em mente. Nem me atrevo a perguntar. Limitámos-lhe a dúvida desviando-lhe a atenção e pouco mais. Contudo, é nestas ocasiões que penso que se a inocência das crianças pode ser enternecedora, os seus desamparos, assim expressos, partem-nos o coração. 

sábado, 23 de agosto de 2014

luz e sombra

                        Miradouro da Serra de Alvaiázere - Portugal by Portuguese_eyes

O esvoaçar de um insecto, um rastejar de sardão, o piar dos pássaros, um sopro de brisa fresca, aquele horizonte ali ao fundo que parece tão próximo. Vá lá saber-se porquê – insondáveis que são as concepções racionais do pensamento - só esta paz me liberta da ideia de que toda a luz tem sombras. 

terça-feira, 19 de agosto de 2014

em Agosto, raios o partam

O disjuntor da garagem disparou na nossa ausência.  Uma espécie de maldição. A arca e o frigorífico começaram a descongelar, depois de terem estado (pelo menos) dois dias sem alimentação. A isto já se chama azar. Decidido lá vou eu, no quadro geral, voltar a ligar tudo. Nada acontece, isto é, as luzes acendem e, sincronizados todos os aparelhos retomam o seu funcionamento. Mas, e se, por hipótese, foram as bombas de sucção das fossas, penso. A ser isso, não há como evitá-lo, a coisa passaria então para o domínio da desgraça. Accionar o seguro, chamar o electricista, orçamentos, relatórios.  Enfim, toda uma imensa quantidade de merdas que juntinhas justifiquem os quinhentos euros que vão ser pedidos por quem  se disponha a vir sujar as mãos ali (nem vos conto o mau hálito que elas exalam), a substituir uma bomba, a um domingo. Ainda assim, poder-se-ão dar graças já que não temos estado em casa, o que se traduz no pouco uso dos esgotos, caso o 'mal' seja mesmo na fossa das águas sujas. Já transpiro. A probabilidade é grande pois este mês de Agosto (ainda não vos disse)  a sorte tem-se recusado a viajar comigo. E ainda falta tanto mês. O melhor é esperar para ver.  Mas, voltando ao disjuntor. Levei mais de 8 dias a ganhar coragem. Finalmente, disponho-me a ir ver. Tampas fora (um suplício), lá consigo forçar, à vez, cada uma delas a trabalhar. Primeira fossa, tudo em ordem. Segunda fossa, idem. A palavra alegria acaba de ganhar outra cor. Peito feito, insuflado pelo ânimo da felicidade, dou uma breve passagem de ‘massa consistente’ nas tampas e ei-las recolocadas.  Então, ferramentas já arrumadas, lavo as mãos enquanto me olho ao espelho e concluo: não há dúvida, a vida é (é mesmo) feita de pequeninas alegrias. Como esta, quando um simples disjuntor dispara e nunca descobrimos porquê. Palavra de honra que estou realmente feliz. Em Agosto, apesar de tudo o resto. Raios o partam.

terça-feira, 12 de agosto de 2014

tudo (ou quase tudo) se perdoa

Tenho tido uns flashes duma imagem do altíssimo, no dia em que ressuscitou, a distribuir perdões (e afins) pelos pecadores mais empedernidos. Vá lá saber-se porquê, eu que nunca pequei mais do que ditaram as necessidades, integro a lista dos pedintes. Outros há que nela não se incluem convictos que ninguém os topa. Nada a fazer, em todo o lado há sementes das quais brotam as mais belas flores da maldade. Por isso, mesmo que não seja bonito de mostrar o mal que pensamos dos outros, não quer dizer que tal seja um engano. É que, já dizia o meu avôzinho, o mal deve  olhar-se de frente e perdoar-se nem que seja de costas. Assim tenho feito ultimamente. Já me faltavam poucos. Restavam os que apenas se tinham aproximado para me usar. Fiz-lhes anunciar o abraço e, descobrindo-me actor, pedi desculpa, um imprevisto (qual degrau intransponível) a impedir-me o balanço para ir mais longe. Isto da amizade é muito enganador. Às vezes. 

sábado, 9 de agosto de 2014

implacável irrelevância

Cruzámo-nos na escada. Ao meu bom dia nenhum deles respondeu. Pai, mãe, filhos. Não lhes levo a mal. Não respondem nunca. A ninguém. É esse comportamento que lhes dá raça. Que lhe dá pedigree. Isso e as marcas dos carros. Sempre as melhores. Como se o propósito da escolha fosse uma forma de destaque. Fosse não, é mesmo. Percebe-se.  De fuga  à mediania que os fere. De pompa. Se alguém aqui na rua se lembrar de comprar um da mesma marca eles mudam. Trocam-nos porque sim (aos carros). Ignoram-me porque não (a mim). Porque não lhes reconheço aquilo que eles tanto queriam. E, pior ainda, porque continuo a falar-lhes. Bom dia. Boa tarde. Boa noite.  Não espero que me devolvam a saudação. Faço-o só mesmo por saber que a minha estratégia de polida educação os deixa possessos. 

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

ir a jogo com as cartas viradas para cima

Como é da condição humana tenho cometido inúmeros erros ao longo da vida. Ainda assim, a nenhum deles posso atribuir a gravidade do irreparável que me tenha impedido de os emendar. Diria até que a todos dediquei, por igual, a indispensável atenção do reparo, a mesma que, mal ou bem, me oferece agora o conforto de serem poucos (senão mesmo nenhuns) aqueles em que insisti ou deixei para depois.

Uns por terem sido escolhas erradas (a maioria), outros por resultarem do engano puro e simples (do desengano também, uns quantos), e ainda (talvez bem menos estes, porque cometidos voluntariamente), os que resultaram de asneiras que a fortuna não permitiu que durassem mais do que o tempo das fugazes cegueiras.  

Assim, subindo a escada da paz contínua, cheguei há pouco ao patamar do viver em que se torna difícil abdicar da felicidade que me rodeia e do bem estar que me dá o facto de saber que foram ficando pelo caminho as ilusões e os tropeções que fui tendo e dando.

Vai daí, acalento agora a esperança de não mais insistir nos erros d’ alma (e de criaturas) que entretanto fui aprendendo a distinguir e que, no momento em que definitivamente os arrumo, sei bem apartar: de um lado  o que é quimicamente puro, do outro,  longe de mim, o que é contrafeito ou em segunda mão.   

É por isso que, também só agora, à distância de quem comprovou que a paz só se vislumbra e alcança depois de termos dado uma espreitadela no inferno, que me cumpre, a uns e a outros, expressar o meu mais profundo e reconhecido agrado pela ajuda que me deram a aqui chegar.  

terça-feira, 5 de agosto de 2014

duração

Pouco mais me sobra que uma memória confusa. Como se pela frente apenas um horizonte que ainda não sei se de esperança. Ainda escorre tinta do resultado. Acabado de pintar como um quadro. Ontem. Nascido do nada de um gesto ou dois. Inseguros todos eles. Como eu.

Não há luz, é a ideia que dá.  Uma nuvem escura a formar-se. Lenta mas determinada.

-Tão cedo?

- Será que vai voltar?

Seguem-se as respostas por dar. Um texto vazio delas.

Como diz o escritor:

- Tudo tem a sua duração.

de maneira que o melhor é não perder muito tempo antes que a duração acabe. 

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

não sei se sabem mas...

...só se é verdadeiramente ateu quando se vende saúde*. O resto é aparência. 


* (Pedi a frase emprestada ao ALA)