terça-feira, 28 de abril de 2015

a pê que os pê

É verdade que levei anos a afinar este tiro. As mais das vezes, e foram mesmo muitas, errando o alvo. Pensando hoje o que lhes faria amanhã, quando voltassem, e depois contemporizando. A facilitar-lhes a vida (e os negócios), qualquer um deles às vezes também designados por outras expressões menos elegantes, que me abstenho de expor. Foram muitos anos disto. O martírio a repetir-se e a renascer, uma e outra vez, sempre (sempre), num permanente martelar de repetição. Como se o sentimento de ter pena me estorvasse a pontaria. A coisa a acabar interminavelmente da mesma forma: eu à procura de justificações no meio das nuvens. Onde elas não existem, pois claro!

Finalmente, este ano, sem mais daquelas, dou por mim neste regozijo, quase palpável, e todos me parecem alvos fáceis. Um após outro, a todos sirvo o mesmo desplante que me trazem: desculpa lá, este ano não vai dar. Como diria o senhor meu pai se aqui estivesse (às vezes chego a acreditar que está): puta que os pariu! *


*(Desculpem-me o vernáculo mas o velho Alípio tinha razão. É profundamente libertador.)

sábado, 25 de abril de 2015

(in)gratidão

O almoço de hoje, lá na tertúlia das sextas-feiras, decorreu sobre o signo da (in)gratidão. Isto, se levarmos em conta a quadra em que estamos (altura em que ela mais se aproxima e revela), é quase atribuível à ironia, eu sei. Mais ainda pelo facto do mesmo sido patrocinado por quem foi, ou seja, alguém que (eu também sei) dispensaria de bom grado a matéria incómoda do tema. Apesar de tudo correu tão bem que no fim demos apertos de mão, abraços e até houve quem tenha feito elogios. Depois, já a roçar o exausto, inventei uma desculpa e deixei-os ficar, na sala dos cafés e dos digestivos, mais uma hora ou duas, a serem cínicos uns com os outros. Já foram piores os almoços da tertúlia das sextas-feiras, mas continuam maus. Maus e sem vislumbre de esperança no que respeita a melhorias. Para a semana o tema é o reconhecimento e as formas como ele se manifesta. Espero que não vos seja difícil perceber o alcance da indirecta. Logo se vê!

quarta-feira, 22 de abril de 2015

fundo falso - as coisas de que o passado (não) foi feito.

 O vínculo afectivo que se criou entre os dois foi tudo menos esperado. Deve tê-los apanhado de surpresa. Uma espécie de desacerto de enredos. Ainda assim ali ficaram horas a fio. Recuperando recordações como se as suas vidas, até ali, tivessem sido o que não foram - um sossego. Uma noite cálida de Verão. Daquelas sem lua, em que a escuridão e a temperatura nos embalam a capacidade de sentir o passar do tempo. Um e outro, a questionar desconhecimentos. Pedaços das suas vidas que não viveram. Os dois, na expectativa de que fosse mais do que curiosidade aquilo que os levava a vasculhar os sobejos da memória. Mas não era. Tratou-se apenas de um passado de que nem um nem outro fizeram parte. É a vida. Olhá-lo assim, agora, a esta distância, é como buscar firmeza num fundo falso. 

quarta-feira, 8 de abril de 2015

não sei explicar o que me prende

É um prazer que me dá. Um gosto que tenho. Um deleite antigo. Escrevo aqui, ali, acolá. Vulgaridades. Pedaços de vida. Relatos de dor, até, às vezes. O que lhes faço, onde os largo, pouco importa. Se preciso for (e muitas vezes é) volto-lhes depois. Emenda, precisão ou remendo. O que calhar e me parecer preciso. Até disso é feito o dilatar do gozo tirado aquilo que mais me agrada, logo a seguir à leitura.   

sexta-feira, 3 de abril de 2015

íntimos males

Encontrei-o no acaso inesperado do passeio matinal que dedico às manhãs de sábado. Isto é, ele a meio da sua caminhada diária, eu com destino à papelaria onde compro os jornais e as revistas que me hão-de de preencher os momentos de lazer do fim de semana. É mentira, eu sei, mas gosto sempre de acrescentar engano à ilusão de que tenho momentos desses. Adiante. Saudações e cordialidades depois (daquelas de quem já não se vi-a há muito), e já ele me falava de si. Sobretudo das doenças. Aquelas do costume, a que a vida (ou a idade) nos condena com a fidelidade do cão que segue o dono. Enumerou-as todas. Com pormenores que pareciam castigos, seguidos  de detalhes que lhes aliviavam o sofrimento. Tudo relatado com o mesmo colorido com que as tratou por namoradas. Até que, com a promessa de um dia destes havermos de almoçar, cada um retomou o seu desígnio. Ele ainda mais lesto, certamente animado pela pausa. Eu a vê-lo afastar-se, e a invejar-lhe a intimidade com que exibe os achaques. A mesma que me leva a tratar com reserva as maleitas que a mim me tolhem e me inibo de expor. Como se fossem prostitutas pouco asseadas.    

quarta-feira, 1 de abril de 2015

balanço

Um ano depois, em jeito de balanço, lá me ocorre perguntar: 

- Então, que tal, como vão as coisas? 

E eis que, sem faltar à realidade que a resposta exige, me devolvem:

- Não me diga nada...  É mesmo verdade, o inferno existe.