Já ando há dias (muitos) a
ganhar coragem. Um bocadinho de cada vez. Como quem bebe um Porto vintage, a
deixá-lo tanto tempo na boca quanto esteve em garrafa. Umas nozes a acompanhar,
só para quebrar o estalo no palato. E, a cada degustação, a cada inclinar de copo,
uma nova esperança de aromas, um renovado alento de força. Depois, sem um nada de peso que o justifique, num
voo descendente de ousadia, o medo de volta. Um pavor que invade, e (não
adianta) é de cobardia que falamos. Um dia chegará, tenho a certeza, a estaleca
que agora me falha. Regressarei então ao ponto de onde nunca parti. Até lá, até
que consiga abordar esse tema, resta-me o suavizante de saber que se adensa sem
parar a contaminação do que tanto orgulho me deu ter deixado em estado puro.
A eles cheguei a pensar, um dia, quem sabe
quando, responder com o Shakespeare do 'Mercador de Veneza': «E se nos
ofenderem, não havemos de nos vingar?»
Contudo, pensando bem, talvez não seja necessário se é de justiça e não de vingança que se trata. E a essa, punição nenhuma, por
melhor que seja, supera o castigo que é não se poder ignorar a realidade.
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