Pouca coisa me dói como a solidão
e abandono em que vivem o Sr. A. e a Dª F.. Octogenários, de quem os filhos se
livraram como se fossem lastro, quando há umas dezenas de anos fizeram da
emigração a solução para os seus males, deixando-os assim, a despertar diariamente para o brutal
efeito do desprezo e do isolamento a que foram condenados.
Indiferentes às suas privações e necessidades,
dedicando aos cães que escolheram ter, em vez de filhos, uma atenção que jamais
concederam aos pais, reduziram, aqueles dois emigrados monstros, a uma banal chamada
telefónica toda a sua actuação de descendentes.
À distância de um outro continente,
afastado milhares de quilómetros, sei-os alerta, sim sei, mas somente na avidez de
abutres com que esperam vir um destes dias buscar as sobras que estas duas vidas
de miséria lhes possam deixar – o andar em que vivem nos subúrbios da cidade.
Desinteressados do desamparo a
que a fome e a falta de acesso às mais elementares condições de saúde destinaram
aqueles que os deram à luz, prosseguem esses cruéis estafermos uma vida
desafogada de que não faz parte o cuidar, o acarinhar, o calor do beijo ou do apertado
abraço à carne da sua carne.
Trocaram o amor de filhos, coisa
que obviamente desconhecem o que seja, pela long distance call que lhes aquieta
a impiedosa consciência.
Enquanto isso, todos nós os que à
dezenas de anos assistimos ao ruir desta vergonhosa arquitectura, partilhamos o desconforto
de tentar conseguir que possam estas duas cansadas e sofridas almas, - pelo menos isso - conservar a dignidade e a decência de não interpretar por caridade as atenções que por
reconhecimento de amizade lhes vamos proporcionando.
Sem comentários:
Enviar um comentário